Diálogos com o mestre
Sexo
- Por
que o sexo
se transformou em um
tabu?
- Porque
é um processo
de alquimia: ele transforma em um gesto físico toda uma
gigantesca manifestação de energia espiritual, chamada amor.
“Não podemos
entender o sexo
como o vemos hoje - uma simples
resposta a alguns estí-
mulos físicos. Na verdade, ele
é muito mais que isso, e carrega consigo toda a carga cultural do
homem e da humanidade. Cada
vez que estamos diante de uma nova experiência, trazemos todas as nossas
experiências passadas - boas ou más - e os
conceitos que a
civilização transformou em regras.
“Não pode ser assim, é preciso
descondicionar o cérebro para que cada experiência sexual seja única, assim
como cada experiência amorosa é única.”
- Muito difícil.
- Muito. Mas é preciso tentar,
porque a quase totalidade dos seres humanos necessita man-
ter esta energia em movimento.
Então, a primeira coisa é entender que ela é composta de dois extremos, que vão
caminhar juntos durante todo o ato: relaxamento e tensão.
“Como colocar estes dois
estados opostos em sintonia? Só existe uma maneira: através da
entrega. Como entregar-se?
Esquecendo os traumas do passado, e não tentando criar expectativas sobre o
futuro - ou seja, o orgasmo. Como fazer isso?
Muito simples: não ter medo de
errar.
“Na verdade, na maioria das
vezes, já entramos numa relação sexual pensando que tudo pode dar
errado. Mesmo que
fosse assim, que importância tem isso? Basta você estar
conscien-
te de que precisa dar o melhor
de si, e o errado se transforma em certo.
“A medida
que a busca
do prazer é
feita com entrega, com
sinceridade, sentimos que o
corpo vai ficando tenso como a
corda de um arqueiro, mas a mente vai relaxando, como a flecha que se prepara
para ser disparada. O cérebro já não governa o processo, que passa a ser guiado
pelo coração. E o coração utiliza os cinco sentidos para mostrar-se ao outro.
- Os cinco sentidos?
- Tato, olfato, visão,
audição, paladar, todos estão
envolvidos. É engraçado
que, na maioria
das relações sexuais, as
pessoas tentam usar apenas o tato e a visão: agindo assim, empobrecem a
plenitude da experiência.
- Os
dois parceiros precisam
saber isso tudo?
- Se um parceiro se entrega
por completo, ele quebra o bloqueio do outro, por mais forte
que seja. Porque o ato da
entrega significa: “eu confio em você”. O outro, que a princípio está
um pouco
intimidado, querendo provar
coisas que não estão
em jogo, fica
desarmado com a espontaneidade de
tal atitude, e
relaxa. Neste momento, a
verdadeira energia sexual entra em jogo.
“E esta energia não está
apenas nas partes que chamamos de “eróticas”. Ela se espalha pelo
corpo inteiro, por cada fio de
cabelo, pedaço de pele. Cada milímetro está agora emanando uma luz diferente,
que é reconhecida pelo outro corpo, e se combina com ele.
“Quando isso
acontece, entramos numa espécie de ritual ancestral, que é uma
oportunida-
de de transformação. Um
ritual, seja ele qual for, exige que você esteja pronto para deixar-se conduzir
a uma nova perceção do mundo. É essa vontade que faz com que o ritual tenha
sentido.”
- Não é muito complicado tudo
isso?
- É muito mais complicado
fazer sexo como o vemos ser feito hoje, um simples ato mecânico,
que provoca tensão durante o
ato, e um vazio no final. Tudo o que é espiritual se manifesta de forma
visível, tudo que é visível se transforma em energia espiritual, não creio que
seja complicado
entender isso. Afinal, já
nascemos sabendo que possuímos um corpo
e uma alma:
porque não entender que o sexo
também as possui? “
- Já
que precisamos mudar
nossa atitude com relação ao
sexo, qual o primeiro passo?
- Eu já disse: a entrega. As
pessoas pensam que, antes de se permitirem qualquer prazer, pre-cisam resolver
todos os seus problemas, e não é bem assim. As pessoas só resolvem os seus
problemas se permitirem ser elas mesmas.
“Existe, porém,
uma coisa muito
curiosa:
no ato
sexual somos extremamente
generosos, e a maior preocupação é justamente com o parceiro. Pensamos
que não vamos conseguir dar o prazer que ele merece - e a partir daí nosso
prazer também diminui, ou desaparece por
completo.”
- Não é um ato de amor, como
você dizia?
- Depende. Na verdade, é um
ato de culpa, de achar-se sempre aquém das expectativas dos
outros. Numa situação como
essa, a palavra “expectativa”
precisa ser banida
por completo. Se estamos dando o melhor de nós mesmos, não
há por que se preocupar.
“É preciso ter consciência
que, quando dois corpos se encontram, eles estão entrando juntos num território
desconhecido. Transformar isso numa experiência cotidiana é perder a
maravilha da aventura.
“Se, entretanto,
nos deixamos guiar
nesta viagem, terminaremos descobrindo
horizontes
que nunca podíamos imaginar
que existissem. “
- Existe alguma chave?
- A primeira é: você não está
sozinho. Se outra pessoa o ama, está sentindo as mesmas dú-
vidas, por mais segura que
possa parecer.
“A segunda: abra a caixa
secreta de suas fantasias, e não tenha medo de aceita-las. Não existe
um padrão sexual, e você
precisa encontrar o seu, respeitando apenas uma proibição: jamais fazer algo
sem o consentimento do outro.
“A terceira: dê ao sagrado o
sentido do sagrado. Para isso, é preciso ter a inocência de uma
criança, e aprender a aceitar
o milagre como uma bênção. Seja criativo, purifique sua alma através de rituais
que você mesmo inventa - como criar um espaço sagrado, fazer oferendas,
aprender a rir junto com o outro, para quebrar as barreiras da inibição.
Entenda que o
que está fazendo
é uma manifestação da energia de Deus.
“A quarta:
explore o seu
lado oposto. Se você é um homem, procure as vezes pensar e
agir
como uma mulher - e vice
versa.
“A quinta:
entenda que o
orgasmo físico não é exatamente o
único objetivo de uma rela-
ção sexual, mas uma
consequência, que pode ou não acontecer. O prazer nada tem a ver com o orgasmo,
mas com o encontro.
“A sexta: seja como um rio,
fluindo entre duas margens opostas, como montanha e areia.
De um lado está a tensão
natural, do outro está o relaxamento completo. “A sétima: identifique seus
medos, e compartilhe com o seu parceiro.
“E, finalmente, a oitava:
permita-se ter prazer. Assim como
você está ansioso
para dar, a
outra pessoa
também quer fazer
o mesmo. Se, quando dois corpos se encontram, ambos
querem dar e receber, os problemas desaparecem.
“Diz Alexander
Lowen que o
comportamento natural do
ser humano é
estar aberto à
vida e ao amor. Entretanto,
nossa cultura nos fez acreditar que não é assim, devemos estar fechados e
desconfiados. Pensamos que, agindo desta maneira, não seremos feridos pelas
surpresas da vida - mas na verdade, o que acontece é que não estamos
aproveitando nada.”
Paulo Coelho - Guerreiros da
luz Vol.2
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