terça-feira, 3 de setembro de 2013

Sexo

Diálogos com o mestre

Sexo

-  Por  que  o  sexo  se  transformou  em  um tabu?
-  Porque  é  um  processo  de  alquimia:  ele transforma em um gesto físico toda uma gigantesca manifestação de energia espiritual, chamada amor.
“Não  podemos  entender  o  sexo  como  o vemos hoje - uma simples resposta a alguns estí-
mulos físicos. Na verdade, ele é muito mais que isso, e carrega consigo toda a carga cultural do
homem e da humanidade. Cada vez que estamos diante de uma nova experiência, trazemos todas as nossas experiências passadas - boas ou más - e os  conceitos  que  a  civilização  transformou  em regras.
“Não pode ser assim, é preciso descondicionar o cérebro para que cada experiência sexual seja única, assim como cada experiência amorosa é única.”
- Muito difícil.
- Muito. Mas é preciso tentar, porque a quase totalidade dos seres humanos necessita man-
ter esta energia em movimento. Então, a primeira coisa é entender que ela é composta de dois extremos, que vão caminhar juntos durante todo o ato: relaxamento e tensão.
“Como colocar estes dois estados opostos em sintonia? Só existe uma maneira: através da
entrega. Como entregar-se? Esquecendo os traumas do passado, e não tentando criar expectativas sobre o futuro - ou seja, o orgasmo. Como fazer isso?
Muito simples: não ter medo de errar.
“Na verdade, na maioria das vezes, já entramos numa relação sexual pensando que tudo pode  dar  errado.  Mesmo  que  fosse  assim,  que importância tem isso? Basta você estar conscien-
te de que precisa dar o melhor de si, e o errado se transforma em certo.
“A  medida  que  a  busca  do  prazer  é  feita com  entrega,  com  sinceridade,  sentimos  que  o
corpo vai ficando tenso como a corda de um arqueiro, mas a mente vai relaxando, como a flecha que se prepara para ser disparada. O cérebro já não governa o processo, que passa a ser guiado pelo coração. E o coração utiliza os cinco sentidos para mostrar-se ao outro.
- Os cinco sentidos?
- Tato, olfato, visão, audição, paladar, todos estão  envolvidos.  É  engraçado  que,  na  maioria
das relações sexuais, as pessoas tentam usar apenas o tato e a visão: agindo assim, empobrecem a plenitude da experiência.
-  Os  dois  parceiros  precisam  saber  isso tudo?
- Se um parceiro se entrega por completo, ele quebra o bloqueio do outro, por mais forte
que seja. Porque o ato da entrega significa: “eu confio em você”. O outro, que a princípio está
um  pouco  intimidado,  querendo  provar  coisas que  não  estão  em  jogo,  fica  desarmado  com  a espontaneidade  de  tal  atitude,  e  relaxa.  Neste momento, a verdadeira energia sexual entra em jogo.
“E esta energia não está apenas nas partes que chamamos de “eróticas”. Ela se espalha pelo
corpo inteiro, por cada fio de cabelo, pedaço de pele. Cada milímetro está agora emanando uma luz diferente, que é reconhecida pelo outro corpo, e se combina com ele.
“Quando  isso  acontece,  entramos  numa espécie de ritual ancestral, que é uma oportunida-
de de transformação. Um ritual, seja ele qual for, exige que você esteja pronto para deixar-se conduzir a uma nova perceção do mundo. É essa vontade que faz com que o ritual tenha sentido.”
- Não é muito complicado tudo isso?
- É muito mais complicado fazer sexo como o vemos ser feito hoje, um simples ato mecânico,
que provoca tensão durante o ato, e um vazio no final. Tudo o que é espiritual se manifesta de forma visível, tudo que é visível se transforma em energia espiritual, não creio que seja complicado
entender isso. Afinal, já nascemos sabendo que possuímos  um  corpo  e  uma  alma:  porque  não entender que o sexo também as possui? “
-  Já  que  precisamos  mudar  nossa  atitude com relação ao sexo, qual o primeiro passo?
- Eu já disse: a entrega. As pessoas pensam que, antes de se permitirem qualquer prazer, pre-cisam resolver todos os seus problemas, e não é bem assim. As pessoas só resolvem os seus problemas se permitirem ser elas mesmas.
“Existe,  porém,  uma  coisa  muito  curiosa:
no  ato  sexual  somos  extremamente  generosos, e a maior preocupação é justamente com o parceiro. Pensamos que não vamos conseguir dar o prazer que ele merece - e a partir daí nosso prazer  também diminui, ou desaparece por completo.”
- Não é um ato de amor, como você dizia?
- Depende. Na verdade, é um ato de culpa, de achar-se sempre aquém das expectativas dos
outros. Numa situação como essa, a palavra “expectativa”  precisa  ser  banida  por  completo.  Se estamos dando o melhor de nós mesmos, não há por que se preocupar.
“É preciso ter consciência que, quando dois corpos se encontram, eles estão entrando juntos num  território  desconhecido.  Transformar  isso numa experiência cotidiana é perder a maravilha da aventura.
“Se,  entretanto,  nos  deixamos  guiar  nesta viagem,  terminaremos  descobrindo  horizontes
que nunca podíamos imaginar que existissem. “
- Existe alguma chave?
- A primeira é: você não está sozinho. Se outra pessoa o ama, está sentindo as mesmas dú-
vidas, por mais segura que possa parecer.
“A segunda: abra a caixa secreta de suas fantasias, e não tenha medo de aceita-las. Não existe
um padrão sexual, e você precisa encontrar o seu, respeitando apenas uma proibição: jamais fazer algo sem o consentimento do outro.
“A terceira: dê ao sagrado o sentido do sagrado. Para isso, é preciso ter a inocência de uma
criança, e aprender a aceitar o milagre como uma bênção. Seja criativo, purifique sua alma através de rituais que você mesmo inventa - como criar um espaço sagrado, fazer oferendas, aprender a rir junto com o outro, para quebrar as barreiras da  inibição.  Entenda  que  o  que  está  fazendo  é uma manifestação da energia de Deus.
“A  quarta:  explore  o  seu  lado  oposto.  Se você é um homem, procure as vezes pensar e agir
como uma mulher - e vice versa.
“A  quinta:  entenda  que  o  orgasmo  físico não é exatamente o único objetivo de uma rela-
ção sexual, mas uma consequência, que pode ou não acontecer. O prazer nada tem a ver com o orgasmo, mas com o encontro.
“A sexta: seja como um rio, fluindo entre duas margens opostas, como montanha e areia.
De um lado está a tensão natural, do outro está o relaxamento completo. “A sétima: identifique seus medos, e compartilhe com o seu parceiro.
“E, finalmente, a oitava: permita-se ter prazer.  Assim  como  você  está  ansioso  para  dar,  a
outra  pessoa  também  quer  fazer  o  mesmo.  Se, quando dois corpos se encontram, ambos querem dar e receber, os problemas desaparecem.
“Diz  Alexander  Lowen  que  o  comportamento  natural  do  ser  humano  é  estar  aberto  à
vida e ao amor. Entretanto, nossa cultura nos fez acreditar que não é assim, devemos estar fechados e desconfiados. Pensamos que, agindo desta maneira, não seremos feridos pelas surpresas da vida - mas na verdade, o que acontece é que não estamos aproveitando nada.”


Paulo Coelho - Guerreiros da luz Vol.2

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