Diálogos com o Mestre
O tédio
Estamos sentados num jardim,
em uma cidade francesa.
- No fundo, as pessoas
reclamam, mas adoram a rotina - eu disse.
- Claro, e a razão e muito
simples: a rotina lhes dá a falsa sensação de que estão seguros.
Assim, o dia de hoje será exactamente igual ao dia de ontem, e o amanhã não trará surpresas. Quando a
noite chega, parte da alma reclama que nada de diferente foi vivido, mas a
outra parte fica contente - paradoxalmente, pela mesma razão.
“Evidente que esta segurança é
totalmente falsa; ninguém pode controlar nada, e uma mudança aparece justamente o
momento mais inesperado, pegando a pessoa sem condições de reagir ou lutar.
- De somos livres para decidir
que queremos uma vida
igual, porque Deus
nos força a mudá-la?
- O que é a realidade? É a
maneira como a imaginamos que seja. Se muita gente “pensa” que o mundo é de tal e qual
maneira, as coisas à nossa volta se cristalizam, e nada muda por algum tempo.
Entretanto, a vida é uma evolução constante social, política, espiritual, seja
lá em que nível for.
Para que as coisas evoluam, é
necessário que as pessoas mudem. Como estamos todos interligados, as vezes o
destino dá um empurrão naqueles que estão impedindo a evolução.
- Geralmente sob a forma de
tragédia...
- A tragédia depende do modo
que você a vê. Se escolheu ser uma vítima do mundo, qualquer coisa que lhe acontecer
vai alimentar aquele lado negro de sua alma, onde você se considera
injustiçado, sofredor, culpado e merecedor de castigo. Se
escolher ser um
aventureiro, as mudanças - mesmo as perdas inevitáveis, já
que tudo neste mundo se transforma - podem
causar alguma dor, mas
logo vão lhe
empurrar adiante, obrigando-o a reagir.
“Em muitas das tradições
orais, a sabedoria é representada por um templo, com duas colunas na porta: estas duas colunas
sempre tem nomes de coisas opostas entre si, mas para exemplificar o que
quero dizer, chamaremos
uma de Medo, outra de Desejo. Quando o homem está
diante desta porta, ele
olha para a
coluna do Medo e
pensa: “meu Deus, o que vou encontrar adiante?” Em seguida, olha para a coluna
do Desejo e pensa: “Meu Deus, já estou tão acostumado com o que
tenho, desejo continuar
vivendo como sempre vivi”. E fica
ali parado; isso chamamos de tédio.
- O tédio é...
- O movimento que cessa.
Instintivamente, sabemos que está errado, e nos revoltamos. Nos queixamos com nossos maridos,
esposas, filhos, vizinhos. Mas, por outro lado, sabemos que o tédio e a rotina
são portos seguros.
- Uma
pessoa pode passar
a vida inteira nesta situação?
- Ela pode levar o empurrão da
vida, mas resistir e continuar ali, sempre reclamando - e seu sofrimento foi inútil, não lhe
ensinou nada.
“ Sim, uma pessoa pode
continuar o resto dos seus dias diante de uma das muitas portas que deve ultrapassar, mas ela
precisa entender que só viveu mesmo até
aquele ponto. Pode
continuar respirando, andando, dormindo, comendo - mas cada vez com
menos prazer, porque já está morta espiritualmente e não sabe.
“Até que um dia, além da morte
espiritual, aparece a morte física; neste momento, Deus perguntará: “o
que você fez
com a sua
vida?”
Todos nós temos que responder
esta pergunta, e ai de quem disser: “fiquei parado diante de uma porta”.
Paulo Coelho - Guerreiros da
luz Vol.2
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