domingo, 15 de setembro de 2013

Diálogos com o Mestre

O tédio

Estamos sentados num jardim, em uma cidade francesa.
- No fundo, as pessoas reclamam, mas adoram a rotina - eu disse.
- Claro, e a razão e muito simples: a rotina lhes dá a falsa sensação de que estão seguros.
Assim, o dia de hoje será exactamente igual ao dia de ontem, e o amanhã não trará surpresas. Quando a noite chega, parte da alma reclama que nada de diferente foi vivido, mas a outra parte fica contente - paradoxalmente, pela mesma razão.
“Evidente que esta segurança é totalmente falsa; ninguém pode controlar nada, e uma mudança aparece justamente o momento mais inesperado, pegando a pessoa sem condições de reagir ou lutar.
- De somos livres para decidir que queremos  uma  vida  igual,  porque  Deus  nos  força  a mudá-la?
- O que é a realidade? É a maneira como a imaginamos que seja. Se muita gente “pensa” que o mundo é de tal e qual maneira, as coisas à nossa volta se cristalizam, e nada muda por algum tempo. Entretanto, a vida é uma evolução constante social, política, espiritual, seja lá em que nível for.
Para que as coisas evoluam, é necessário que as pessoas mudem. Como estamos todos interligados, as vezes o destino dá um empurrão naqueles que estão impedindo a evolução.
- Geralmente sob a forma de tragédia...
- A tragédia depende do modo que você a vê. Se escolheu ser uma vítima do mundo, qualquer coisa que lhe acontecer vai alimentar aquele lado negro de sua alma, onde você se considera injustiçado, sofredor, culpado e merecedor de castigo.  Se  escolher  ser  um  aventureiro,  as  mudanças - mesmo as perdas inevitáveis, já que tudo neste mundo  se transforma  - podem  causar  alguma  dor,  mas  logo  vão  lhe  empurrar  adiante, obrigando-o a reagir.
“Em muitas das tradições orais, a sabedoria é representada por um templo, com duas colunas na porta: estas duas colunas sempre tem nomes de coisas opostas entre si, mas para exemplificar o  que  quero  dizer,  chamaremos  uma  de  Medo, outra de Desejo. Quando o homem está diante desta  porta,  ele  olha  para  a  coluna  do  Medo  e pensa: “meu Deus, o que vou encontrar adiante?” Em seguida, olha para a coluna do Desejo e pensa: “Meu Deus, já estou tão acostumado com o  que  tenho,  desejo  continuar  vivendo  como sempre vivi”. E fica ali parado; isso chamamos de tédio.
- O tédio é...
- O movimento que cessa. Instintivamente, sabemos que está errado, e nos revoltamos. Nos queixamos com nossos maridos, esposas, filhos, vizinhos. Mas, por outro lado, sabemos que o tédio e a rotina são portos seguros.
-  Uma  pessoa  pode  passar  a  vida  inteira nesta situação?
- Ela pode levar o empurrão da vida, mas resistir e continuar ali, sempre reclamando - e seu sofrimento foi inútil, não lhe ensinou nada.
“ Sim, uma pessoa pode continuar o resto dos seus dias diante de uma das muitas portas que deve ultrapassar, mas ela precisa entender que só viveu  mesmo  até  aquele  ponto.  Pode  continuar respirando, andando, dormindo, comendo - mas cada vez com menos prazer, porque já está morta espiritualmente e não sabe.
“Até que um dia, além da morte espiritual, aparece a morte física; neste momento, Deus perguntará:  “o  que  você  fez  com  a  sua  vida?”
Todos nós temos que responder esta pergunta, e ai de quem disser: “fiquei parado diante de uma porta”.


Paulo Coelho - Guerreiros da luz Vol.2

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