terça-feira, 20 de agosto de 2013

A viagem

Diálogos com o Mestre

A Viagem

Durante  recente  mudança  para  o  novo apartamento, descobri uma série de anotações de conversas minhas com J., que pertence a ordem R.A.M. , uma pequena confraria dedicada a estudar a tradição oral e a linguagem simbólica do mundo.  Estas  notas  cobrem  nossos encontros no período de Fevereiro, 1982 até 1990.
Recentemente  perguntei  a  ele  se  poderia compartilhar parte destes textos; ele concordou.
Transformei os textos em diálogos para melhor compreensão, e que as palavras de J. não são exatamente as que ele usou, embora o conteúdo seja absolutamente fiel ao que escutei.
Os textos não estão em ordem exata. Resolvi começar com algumas de nossas conversas de 1986, quando ele insistia para que eu fizesse o Caminho de Santiago.
-  Você  diz  que  fazer  o  Caminho  de  Santiago é importante. Para isso, preciso largar tudo por algum tempo: família, emprego, projetos. E não sei se vou encontrar a mesma situação quando voltar.
- Espero que não encontre.
- Então, devo arriscar-me a perder tudo que consegui até agora?
- Perder o que? Um homem só tem sua alma para ser ganha ou perdida; além da vida, ele não possui mais nada. Não importa as vidas passadas ou futuras - no momento você está vivendo esta, e deve fazê-lo com compreensão silenciosa, alegria, e entusiasmo. O que você não pode perder é o entusiasmo.
- Eu tenho uma mulher, que amo.
-  (rindo)  Esta  é  sempre  a  desculpa  mais comum,  e  a  mais  tola  possível.  O  amor  nunca impediu o homem de seguir seus sonhos. Se ela realmente o ama, vai querer o melhor para você.
Além  do  mais,  você  não  tem  uma  mulher  que ama; a mulher não é sua. O que é seu é a energia do amor, que você dirige para ela. Você pode fazer isso de qualquer lugar.
- E se eu não tivesse dinheiro para fazer a peregrinação?
- Viajar não é sempre uma questão de dinheiro,  mas  de  coragem.  Você  passou  grande parte da sua vida correndo o mundo como hippie: que dinheiro tinha, então?
Nenhum. Mal dava para pagar a passagem, e  mesmo  assim  acredito  que  foram  alguns  dos melhores anos de sua vida - comendo mal, dormindo  em  estações  de  trem,  incapaz  de  se  comunicar  por  causa  da  língua,  sendo  obrigado  a depender dos outros até mesmo para descobrir um abrigo onde passar a noite. 
“Viajar é sagrado; a humanidade viaja desde a noite dos tempos, em busca de caça, de pasto, de climas mais amenos. São raros os homens que conseguem  compreender  o  mundo  sem  sair  de suas cidades. Quando você viaja - e eu não estou falando em turismo, mas na experiência solitária da viagem - quatro coisas importantes acontecem em sua vida:
a] você está em um lugar diferente. Então, as barreiras protetoras já não existem mais. No começo isso dá muito medo, mas em pouco tempo você se acostuma, e passa a entender quanta coisa interessante existe além dos muros de seu jardim.
b] porque a solidão pode ser muito grande e opressora, você está mais aberto a com pessoas com quem nunca trocaria uma palavra, se estivesse em sua casa - garçons, outros viajantes, empregados de hotel, o passageiro sentado ao seu lado no ônibus.
c] você passa a depender dos outros para tudo:  arranjar  um  hotel,  comprar  algo,  saber como  tomar  o  próximo  trem.  Descobre  então que nada há de errado em depender dos outros - muito pelo contrário, isto é uma bênção.
d]  você  está  falando  uma  língua  que  não compreende, usando um dinheiro que não sabe o valor, caminhando por ruas que nunca passou antes. Você sabe que o seu Eu antigo, com tudo que aprendeu, é absolutamente inútil diante destes  novos  desafios  -  e  começa  a  descobrir  que, enterrado lá no fundo do seu inconsciente, existe  alguém  muito  mais  interessante,  aventureiro, aberto para o mundo e para experiências novas.“Viajar  é  a  experiência  de  deixar  de  ser quem você quem você se esforça para ser, e se transformar naquilo que você é.”


Paulo Coelho - Guerreiros da luz Vol.2

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