segunda-feira, 23 de maio de 2016

Os contos dos padres do deserto

Os contos dos padres do deserto


Durante o início da era cristã, o mosteiro de Sceta tornou-se o centro de convergência de muita gente que, depois de renunciar ao que tinha, ia morar no deserto que circundava o mosteiro.
Muitos dos ensinamentos destes homens foram coletados, e publicados em diversos livros.

O Caminho do meio

O monge Lucas, acompanhado de um discípulo, atravessava uma aldeia. Um velho perguntou
ao asceta:
- Santo homem, como me aproximo de Deus?
- Divirta-se. Louve o Criador com sua alegria
- foi a resposta.
Os dois continuaram a caminhar. Neste momento, um jovem aproximou-se.
- O que faço para me aproximar de Deus?
- Não se divirta tanto - disse Lucas.
Quando o jovem partiu, o discípulo comentou:
- Parece que o senhor não sabe direito se devemos ou não devemos nos divertir.
- A busca espiritual e’ uma ponte sem corrimão atravessando um abismo - respondeu Lucas.
- Se alguém esta’ muito perto do lado direito, eu digo ‘para a esquerda!’ Se aproximam-se do lado esquerdo, eu digo ‘para a direita!’. Os extremos nos afastam do Caminho. 

A cidade do outro lado


Um eremita do mosteiro de Sceta se aproximou do Abade Teodoro:
- Sei exatamente qual o objetivo da vida. Sei o que Deus pede ao homem, e conheço a melhor
maneira de servi-Lo. E, mesmo assim, sou incapaz de fazer aquilo tudo que devia estar fazendo para servir ao Senhor.
O abade Teodoro ficou um longo tempo em silencio. Finalmente disse:
- Você sabe que existe uma cidade do outro lado do oceano. Mas ainda não encontrou o navio, não colocou sua bagagem a bordo, e não cruzou o mar. Por que ficar comentando como ela é, ou como devemos caminhar por suas ruas?
“Saber o objetivo da vida, ou conhecer a melhor maneira de servir ao Senhor, não basta. Coloque em prática o que você está pensando, e o caminho se mostrará por si mesmo”.

Comporte-se como os outros


O Abade Pastor caminhava com um monge de Sceta, quando foram convidados para comer.
O dono da casa, honrado pela presença dos padres, mandou servir o que havia de melhor.
Entretanto, o monge estava no período de jejum; assim que a comida chegou, pegou uma ervilha, e mastigou-a lentamente. Só comeu esta ervilha, durante todo o jantar.
Na saída, o abade Pastor chamou-o:
- Irmão, quando for visitar alguém, não torne a sua santidade uma ofensa. Da próxima vez que estiver em jejum, não aceite convites para jantar.
O monge entendeu o que o abade Pastor dizia. A partir daí, sempre que estava com outras pessoas, se comportava como elas.

O trabalho na lavoura


O rapaz cruzou o deserto, e chegou finalmente ao mosteiro de Sceta, perto de Alexandria.
Ali, pediu para assistir uma das palestras do abade - e recebeu permissão.
Naquela tarde, o abade discorreu sobre a importância do trabalho na lavoura.
No final da palestra, o rapaz disse a um dos monges:
- Fiquei muito impressionado. Achei que ia encontrar um sermão iluminado sobre as virtudes e os pecados, e o abade só falava de tomates, irrigação, e coisas assim. Do lugar onde venho, todos acreditam que Deus é misericórdia: basta rezar.
O monge sorriu, e respondeu:
- Aqui, nós acreditamos que Deus já fez a parte Dele; agora cabe a nós continuar o processo.

Julgando o meu próximo 


Um dos monges de Sceta cometeu uma falta grave, e chamaram o ermitão mais sábio para que pudesse julgá-la.
O ermitão se recusou, mas insistiram tanto, que ele terminou por ir. Chegou ali carregando nas costas um balde furado, de onde escorria areia.
- Vim julgar meu próximo - disse o ermitão para o superior do convento. - Meus pecados estão escorrendo detrás de mim, como a areia escorre deste balde. Mas, como não olho para trás, e não me dou conta dos meus próprios pecados, fui chamado para julgar meu próximo!
Os monges desistiram da punição na mesma hora.

A maneira de agradar ao Senhor


Certo noviço procurou o abade Macário, e pediu conselhos sobre a melhor maneira de agradar ao Senhor.
- Vá até o cemitério e insulte os mortos - disse Macário.
O irmão fez o que foi ordenado. No dia seguinte, voltou a Macário.
- Eles responderam? - perguntou o abade.
O noviço disse que não.
- Então vá até lá, e elogie-os.
O noviço obedeceu. Naquela mesma tarde, voltou até o abade, que de novo quis saber se os mortos haviam respondido.
- Não - disse o noviço.
- Para agradar ao Senhor, comporte-se da mesma maneira - comentou Macário. - Não conte nem com o desprezo dos homens, nem com seus louvores; desta maneira, você pode construir o seu próprio caminho.

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